Alexandria

Há muito não atualizo isso, mas me peguei pensando em escrever algo mais livre, e saiu isso aqui!



Gosto de música que faz pensar, independente de estilo.
E há tempos não me pegava pensando em uma música e tentando colocar no papel (ou no .txt) coisas que me vem à mente depois de ouvi-la.
Acho que as últimas músicas que me fizeram fazer esse exercício foram Uniform do Bloc Party e Eles Precisam Saber, do Resgate. Mas isso é outra história.

Tiago Iorc é um fenômeno recente. Fenômeno musical, da internet, porém, nunca havia me chamado a atenção. 
Sabe aquela coisa, já ouvi falar, parece talentoso, mas não parece que vai me agradar? Pois é, a impressão não era de todo errada. 
Não, o cara não é ruim. Tem talento, é ótimo instrumentista, e não tem como negar que, ao vivo, o cara é bom, afinal, não é fácil segurar as pontas sozinho em um palco. Mas vamos ao que importa.

Por ocasião do destino, fui convidado a fazer um vídeo com o cara (que não aconteceu), e acabei fotografando o show. E aí tive minha primeira oportunidade de ouvi-lo (exceto por Amei te Ver).

E me chamou a atenção um clamor do púbico por uma musica especifica. Essa mesma que dá titulo ao texto.
A música Alexandria, deixada para o final da apresentação, aparentemente é uma das mais requisitadas nos shows do cantor. 
Não à toa. Melodia boa, e uma letra bastante interessante. Sinal de vida inteligente num mercado fonográfico cada vez mais vazio. 

Ironicamente, creio que boa parte dos fãs da música não fazem ideia de que, 80% da letra foi escrita por Humberto Gessinger, um dos maiores poetas que o rock nacional brasileiro já teve. Mas em tempos de MP3, essa informação acaba passando batida. É a falta de conhecimento da qual falarei um pouco.

Tiago tem um publico definido. Um publico jovem e antenado. Nascido já com internet, celulares, tablets e computadores. Uma geração que já nasceu um pouco à frente da minha (sim, sou uma criança que cresceu nos anos 90 e viu de perto toda essa revolução acontecer).

Essa geração, que cresceu com google na mão, mp3, e etc., às vezes se perde no próprio discurso. Um discurso que parece muito inteligente, afinal, tem muita informação, mas que muitas vezes, vem com pouco embasamento e aprofundamento. E é disso que a música parece dizer.


Vivemos em um tempo onde todo mundo tem voz. E todo mundo acha que sua voz é mais forte que a do outro. Em tempos de eleição, isso fica mais claro. 

Sem tomar partido (sem duplo sentido), e utilizando-me de uma generalização superficial (que quero usar apenas para ilustração), isso fica muito claro nos discursos nas redes sociais. 
Vejo muitos, por exemplo, indignados com a derrota de Haddad nas urnas. Porém, me parece que a maioria desses (pelo menos os que eu pude ver), não moram na capital paulista. 
Daí passei a me perguntar: 1 – Será que ele era um candidato tão bom assim para os moradores quanto parece para os de fora? Ou o discurso é bonito, mas a realidade é outra? - 2 – Essas mesmas pessoas que, parecem inconformadas com a derrota, me parecem ser, em sua maioria, as mesmas que esbravejavam “Aceita que dói menos”, após o resultado das eleições presidenciais em 2014. 
Ou seja, um discurso que me parece, no mínimo, contraditório.

Porém, não vou me aprofundar nesse assunto, afinal, se tentar fazê-lo, cairia na contradição a qual questiono nesse texto. Prefiro deixar essa discussão política para quem realmente a entende e estuda.

Esse é apenas um exemplo que utilizei para chegar ao ponto que importa da música Alexandria.


Ao analisarmos com calma, vemos uma crítica sutil e bem estruturada a essa situação atual. “Gente demais, com tempo demais, falando demais, alto demais”
Sim, em tempos de facebook, todos somos críticos políticos, sociais, econômicos, juízes e técnicos de futebol, jurados de programas de calouros a artistas ou cozinheiros. Somos todos analistas e escritores, inclusive esse que vos fala.

Nos achamos tão donos da razão, que até palpite nas eleições americanas queremos dar. É gente demais, falando muita coisa, ao mesmo tempo, e no fundo, é só barulho. Pouca coisa ali tem conhecimento, sabedoria, embasamento. A maioria é informação, sem profundidade. A maioria é "O Trump é um idiota. Ele odeia os imigrantes", mas não fazem idéia da complexidade do assunto. E poucos ouvem, pesquisam e refletem. 
Voltando ao começo da música, vemos: “Não tiro a razão de quem não tem razão, não ponho a mão no fogo pois é verão, não dou razão, a quem perde a razão. Presta atenção, então"
Ao juntar com o refrão, a ideia de não perder tempo com tanto barulho e não arriscar dar credibilidade a quem não conhece do assunto do qual fala me parece bem clara. Afinal, como tirar a razão de quem não a tem? E afinal, quem a tem?

Em outra parte, ainda vemos “Não vi solução na mão da contramão, brincando com fogo pela atenção”, o que reforça ainda mais a ideia de que o autor não quer dar atenção à quem arrisca-se a opinar sobre o que não tem conhecimento, apenas para ter atenção, afinal, as pessoas querem mostrar aos outros que estão antenadas às coisas atuais. Ou as redes tem alguma outra função que não seja a de se mostrar algo, ou mostrar a nós mesmos?

Ou todos que estão lendo esse texto possuem conhecimentos embasados, teóricos e práticos sobre a situação política e social da Venezuela, por exemplo?
A maioria só tem a informação o que vê nos posts do facebook, mais uma ou outra manchete em portais e redes de notícias. A realidade a fundo, poucos em nosso meio conhecem.

É nesse calo que a música parece pisar. Todos temos muita informação acumulada, mas nem sempre esse monte de informações significa que temos conhecimento. 
“A gente teima, antes temia, já não sabe o que sabia”. Sim, insistimos em nossas convicções, e queremos mostrar que temos conhecimento de coisas que no fundo, estão bem longe de nós. Mas a gente teima em mostrar que sabe, sem medo de parecer que não conhecemos, afinal, quem realmente conhece?

Precisamos saber distinguir entre informação e conhecimento. Informação sem profundidade é vaga. Conhecimento é o conjunto de informações e experiências a respeito do assunto.

Gosto muito de uma teoria sobre conhecimento/informação do livro “Ontem Esponja, Hoje Peneira”, do pastor Marcos Botelho. Nesse livro, o autor trata justamente desse conceito que permeia essa nova geração. 
“Ontem”, conhecimento era algo cumulativo. Quanto mais, melhor, afinal, poucos tinham acesso. Eram necessárias enciclopédias, bibliotecas. Era necessário buscar conhecimento, pesquisar, gastar horas nesse processo, e absorver o máximo possível. Era necessário ser "esponja" e absorver tudo.
Hoje, mesmo quando não queremos, estamos sendo afogados por tanta informação. A tecnologia nos provém instantaneamente, todo tipo de informação que quisermos, e até as que não queremos. Por isso, absorver tudo já não é mais algo interessante. É preciso peneirar, escolher o que realmente importa.
Por isso, voltando à musica, voltamos ao momento onde o autor diz que “A gente queima todo dia, mil bibliotecas de Alexandria”.


Para os que não sabem, a biblioteca de Alexandria foi uma das mais célebres bibliotecas da história, e um dos maiores centros de saber da Antiguidade, e ficava na cidade de Alexandria, no antigo Egito. A biblioteca foi destruída por um incêndio cuja causa é misteriosa até os dias atuais. 
Como eu sei disso? Vi na wikipedia. Uma rápida pesquisa, e pronto, tenho a informação (que, por ser da wikipedia, nem sempre pode ser considerada a mais confiável). Mas para discorrer sobre o assunto, é necessário ter mais profundidade. Isso, não tenho.

Porém, o que o autor quer dizer com essa metáfora?
Creio que justamente sobre o fato de, ao querermos opinar sobre tudo, e sermos donos da verdade sobre todo e qualquer assunto, tomando como base apenas as informações que recebemos, aos poucos, vamos destruindo nossas bibliotecas, que são o conjunto de conhecimentos que vamos construindo em sociedade. 
Vamos ignorando o que foi construído por pessoas que se prontificaram a conhecer e estudar sobre tais assuntos, apenas para impor o que pensamos após analisarmos superficialmente algumas informações que encontramos no caminho. Ou pior, apenas para nos aparecer para os amigos.


Todos vamos criando nossas teses, nossas filosofias, nossas verdades. Interpretamos fatos e momentos históricos que acontecem atualmente, apenas através da nossa própria visão, e esquecemos, muitas vezes da imparcialidade e do real conhecimento sobre o que acontece. 

E a história vai acontecendo, e cada um a escreve como bem entende, ignorando o passado e sem deixar um legado para o futuro. É o viver pelos likes, pelos seguidores. É o olhar pro próprio umbigo. E com isso, as redes que serviam para nos aproximar, nos afastam, pois precisamos nos posicionar. E quem pensa diferente vira inimigo.

É a Alexandria que vivemos nos dias atuais.

Por isso o autor diz que “vamos lá, atrás de um pouco de paz.”. 
Sim, às vezes é preciso desligar, pesquisar, conhecer, estudar, peneirar, aprofundar. É o que fiz ao escrever esse texto. Ouvi e li outras análises sobre a música, pesquisei sobre a letra, sobre os autores. Ouvi repetidamente. E cheguei ao começo de algo, que espero que traga conhecimento, e não apenas uma vaga informação.
 É preciso viver além da atenção virtual. 


Simples assim. Pelo menos é o que eu acho. Se tenho razão? Nem eu sei...Vou pesquisar mais sobre isso...



Afinal, "Aqui tem gente demais".

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